quinta-feira, 27 de março de 2014

Joana leu: Blecaute, de Marcelo Rubens Paiva

Blecaute
Marcelo Rubens Paiva
editora Brasiliense
208 páginas
"Três amigos - os inseparáveis Rindu e Mário, mais a estudante de Letras, Martina - saem em uma expedição às cavernas do Vale do Ribeira. A aventura desanda em desastre. Após um cochilo num dos salões da Gruta da Rainha, os exploradores se veem presos na caverna. Um dos riachos internos enche e bloqueia a saída. Sem saber o que fazer, Rindu, Mário e Martina aguardam as águas baixarem. Três ou quatro dias depois, eles conseguem emergir da caverna para fazer uma absurda constatação: todas as pessoas à sua volta viraram 'duros', paralisados como estátuas de cera ou bonecos de plástico. Um estranho fenômeno ocorreu e os três se tonaram os únicos habitantes vivos no planeta."

Logo no início do livro, o autor explica que se inspirou no antigo seriado "Além da imaginação" para escrevê-lo, e só com o decorrer da leitura é que podemos entender porque: tudo aqui é muito absurdo, mas com uma capacidade de nos fazer confrontar a realidade e nossa importância no mundo.

Depois de uma expedição a uma gruta, os amigos Rindu - que narra a estória -, Martina e Mário voltam para São Paulo e já na estrada começam a perceber coisas estranhas: caminhões atravessados na pista, nenhum movimento de veículos... até que chegam a cidade e contatam que todo mundo está paralisado, como que plastificado, e eles são os únicos seres vivos restantes.

Durante algum tempo eles esperam algo mudar e procurar por respostas, ou por mais sobreviventes, mas não encontram nada, então resolvem aproveitar as oportunidades que aquela imensa cidade lhes oferece. Entram em hotéis de luxo, catedrais, museus e até batalhões da polícia, ao mesmo em que têm esperança de encontrar alguém vivo, vão pegando algumas coisas e destruindo outras.

O trio acha interessante quando percebem que os animais não foram afetados pelo fenômeno, já que veem ratos, gatos, cachorros e pombos soltos pela cidade. Num certo momento, até um puma aparece. Eles decidem se mudar para uma grande casa na Avenida Paulista e passam a viver ali, tentando parecer normais, mas isso era difícil, já que para todo lado que iam, as pessoas paralisadas lhes lembravam do que estava acontecendo.

Nem só de drama viveram os três amigos, eles também se divertiram bastante. Martina tomou conta de uma rádio durante um tempo, de onde tocava várias músicas e tentava passar algumas notícias. Mário, já mostrando instabilidade emocional, recolhia armas na ROTA e no exército e reforçava a segurança da casa, quase transformando-a num bunker. E Rindu gostava de passear pela cidade e imaginar as histórias das pessoas que estavam duras, mas sempre questionando sua própria existência e o por quê de tudo aquilo. 

Num dos momentos mais descontraídos do livro, Mário diz a Martina que fará tudo o que ela desejar e ela pede para que ele derrube a antena da Rede Globo na Paulista. Eles sobem no prédio, enchem uma coluna de explosivos e a antena cai. Em outro dia, Mário e Rindu usam um caminhão de bombeiros para tingir a mesma avenida de vermelho, como que marcando seu território e mostrando que podiam fazer tudo o que quisessem, já que eram os únicos na cidade.  

Em meio a essa busca por sobreviventes e a luta pela própria vida, começaram a surgir os conflitos entre eles: Mário e Martina eram namorados, mas viviam brigando e se desentendendo, e Rindu era muito tímido e tinha uma certa tendência à depressão. Muitas vezes Mário saiu da casa e passou algum tempo fora, deixando os amigos sozinhos, e quando Martina sugeriu que eles tivessem filhos e repovoassem a terra, ele achou um absurdo. Aos poucos a menina ia ficando mais próxima de Rindu, que era mais sensível e a entendia melhor, e, apesar de Mário muitas vezes demonstrar que não dava a mínima para ela, ele começou a sentir ciúmes.

Claro que o que afastaria os amigos seria um triângulo amoroso, meio desajeitado, e que despertou a ira de Mário. Ele se afasta mas não consegue aceitar a proximidade de seu amigo com Martina, e os ataca. Rindu se defende e Mário some. Como são melhores amigos desde a infância, ele acaba saindo a procura de Mário, lembrando de coisas que já tinham vivido e de lugares onde já tinham passado, e a estória vai caminhando para um final curioso.

O livro tem diálogos interessantes, que podem não parecer muito profundos, mas que questionam inteligentemente a rotina de trabalho, os estudos, a família, quem somos e o que fazemos, percebendo que tudo pode acabar em um segundo e nada disso terá importância. É aqui que fica claro o talento do autor em nos conduzir para uma estória absurda, mas carregada de reflexão sobre nossos valores.

O final é brilhante, e cada leitor pode fazer sua própria leitura do significado de tudo aquilo que viveram Rindu, Mário e Martina.

Joana Masen
@joana_masen

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