"Nu, de botas"
Antônio Prata
editora Cia das Letras
140 páginas
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"Em 'Nu, de botas', Antônio Prata revisita as passagens mais marcantes de sua infância. As memórias são iluminações sobre os primeiros anos de vida do autor, narradas com precisão e humor. As primeiras lembranças no quintal de casa, os amigos da vila, as férias na praia, o divórcio dos pais, o cometa Halley, Bozo e os desenhos animados na TV, a primeira paixão, o sexo descoberto nas revistas pornográficas - toda a educação sentimental de um paulistano de classe média nascido nos anos 70 aparece aqui, sob a ótica de um adulto que olha para trás e revê sua trajetória com nostalgia, mas narra os fatos do ponto de vista da criança que se espanta com o mundo."
À primeira vista esse é apenas um livro com 24 crônicas que contam, com saudosismo, como foi a infância e a adolescência do autor. Mas não se enganem, ele é muito mais que isso; com toda a experiência que Antônio Prata tem para transformar os mais simples assuntos em textos inteligentes, leves e divertidos, as narrativas de suas lembranças não poderiam cair no lugar comum.
Desde o primeiro texto é possível perceber que o bom humor dará o tom às estórias. E a linguagem utilizada pelo autor para contá-las é muito simples, mas nem um pouco pobre, já que ele tenta inferir uma certa inocência em cada um dos 'causos' que relembra. Mesmo dando às crônicas a perspectiva que teria uma criança, vivenciando suas primeiras experiências, o autor deixa claro que é ele, adulto, quem está contando algumas de suas aventuras quando pequeno.
Alguns momentos são épicos: a passagem do cometa Halley em 1986, quando o jovem Antônio se sentiu atraído fisicamente por uma mulher; a viagem de carro com o pai e a irmã, quando o progenitor lhes revelou alguns detalhes cabeludos sobre o ato sexual, de maneira muito natural, mas ao mesmo tempo hilária, que me fez rir muito; o medo de ser motivo de chacota diante de todos os amiguinhos, ao ter seu maior segredo revelado e a ligação para o programa do Bozo .
"Então te explicam o que é um comenta - aí é que você mal pode acreditar: uma bola de fogo que viaja pelo cosmos como um caubói solitário, um Gerônimo sem tribo, arrastando sua cabeleira flamejante pelos ignotos confis da Via Láctea, voltando só a cada 76 anos. Uma dessas visitas coincide com um feriado no meio da sua primeira série: como não se sentir grato aos céus por aquele presente?" (página 124, Presente dos céus).
"Hesitei. Não se tratava de um procedimento simples, uma ligação. Era preciso decorar o número, girar muitas e muitas vezes aquele pesado disco de plástico, com cuidado para não escapar do dedo bem no final, mandando para a cucuia todo o esforço anterior; depois, ainda tinha que falar com adultos mal-humorados, nem sempre pacientes e dispostos a compreender as solicitações balbuciantes de uma criança - se eu já pensava duas vezes antes de ligar para o trabalho da minha mãe e pedir que ela passasse no McDonald's na volta para casa, imagina só para o maior palhaço da Terra? No entanto, como o Henrique não parava de insistir e eu não queria perder a pose, acabei discando o número que aparecia na TV: 236-0873." (página 28, Alô, Bozo?)
Confesso que comprei o livro apenas pela capa bonita e o autor, sem saber do que se tratava, e, graças aos céus, ele não me decepcionou: as crônicas são todas bastante divertidas, e muitos fatos vividos pelo narrador me lembraram da minha própria infância e de algumas coisas que eu acreditava naquela época. A nostalgia é inevitável, mas foi com uma sensação boa que li cada um dos textos, descobrindo que eu, assim como o pequeno Antônio, também fui uma criança que via o mundo com inocência, exatamente como uma criança deve ver.
Para quem cresceu nos anos 80, o livro é uma viagem deliciosa ao passado, com uma pitada de humor e pequenas doses de ironia em momentos certos. E para o leitor mais jovem, que não saberá jamais como foi viver aquela época, a leitura pode ser um ótimo entretenimento, mesmo ficando um pouco mais distante daqueles acontecimentos. O lirismo utilizado por Prata aos descrever em detalhes pequenos fatos de sua infância agrada a quem lê, independente de sua idade e de seu gênero literário preferido: é fascinante relembrar junto com o autor suas peripécias de menino, e a descoberta, ainda sob a aura da inocencia, de algumas peculiaridades da vida adulta.
Joana Masen
@joana_masen
À primeira vista esse é apenas um livro com 24 crônicas que contam, com saudosismo, como foi a infância e a adolescência do autor. Mas não se enganem, ele é muito mais que isso; com toda a experiência que Antônio Prata tem para transformar os mais simples assuntos em textos inteligentes, leves e divertidos, as narrativas de suas lembranças não poderiam cair no lugar comum.
Desde o primeiro texto é possível perceber que o bom humor dará o tom às estórias. E a linguagem utilizada pelo autor para contá-las é muito simples, mas nem um pouco pobre, já que ele tenta inferir uma certa inocência em cada um dos 'causos' que relembra. Mesmo dando às crônicas a perspectiva que teria uma criança, vivenciando suas primeiras experiências, o autor deixa claro que é ele, adulto, quem está contando algumas de suas aventuras quando pequeno.
Alguns momentos são épicos: a passagem do cometa Halley em 1986, quando o jovem Antônio se sentiu atraído fisicamente por uma mulher; a viagem de carro com o pai e a irmã, quando o progenitor lhes revelou alguns detalhes cabeludos sobre o ato sexual, de maneira muito natural, mas ao mesmo tempo hilária, que me fez rir muito; o medo de ser motivo de chacota diante de todos os amiguinhos, ao ter seu maior segredo revelado e a ligação para o programa do Bozo .
"Então te explicam o que é um comenta - aí é que você mal pode acreditar: uma bola de fogo que viaja pelo cosmos como um caubói solitário, um Gerônimo sem tribo, arrastando sua cabeleira flamejante pelos ignotos confis da Via Láctea, voltando só a cada 76 anos. Uma dessas visitas coincide com um feriado no meio da sua primeira série: como não se sentir grato aos céus por aquele presente?" (página 124, Presente dos céus).
"Hesitei. Não se tratava de um procedimento simples, uma ligação. Era preciso decorar o número, girar muitas e muitas vezes aquele pesado disco de plástico, com cuidado para não escapar do dedo bem no final, mandando para a cucuia todo o esforço anterior; depois, ainda tinha que falar com adultos mal-humorados, nem sempre pacientes e dispostos a compreender as solicitações balbuciantes de uma criança - se eu já pensava duas vezes antes de ligar para o trabalho da minha mãe e pedir que ela passasse no McDonald's na volta para casa, imagina só para o maior palhaço da Terra? No entanto, como o Henrique não parava de insistir e eu não queria perder a pose, acabei discando o número que aparecia na TV: 236-0873." (página 28, Alô, Bozo?)
Confesso que comprei o livro apenas pela capa bonita e o autor, sem saber do que se tratava, e, graças aos céus, ele não me decepcionou: as crônicas são todas bastante divertidas, e muitos fatos vividos pelo narrador me lembraram da minha própria infância e de algumas coisas que eu acreditava naquela época. A nostalgia é inevitável, mas foi com uma sensação boa que li cada um dos textos, descobrindo que eu, assim como o pequeno Antônio, também fui uma criança que via o mundo com inocência, exatamente como uma criança deve ver.
Para quem cresceu nos anos 80, o livro é uma viagem deliciosa ao passado, com uma pitada de humor e pequenas doses de ironia em momentos certos. E para o leitor mais jovem, que não saberá jamais como foi viver aquela época, a leitura pode ser um ótimo entretenimento, mesmo ficando um pouco mais distante daqueles acontecimentos. O lirismo utilizado por Prata aos descrever em detalhes pequenos fatos de sua infância agrada a quem lê, independente de sua idade e de seu gênero literário preferido: é fascinante relembrar junto com o autor suas peripécias de menino, e a descoberta, ainda sob a aura da inocencia, de algumas peculiaridades da vida adulta.
Joana Masen
@joana_masen
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