quinta-feira, 19 de março de 2015

Joana leu: Adormecida, de Anna Sheehan


"Adormecida"
Anna Sheehan
editora Lua de Papel
272 páginas
"Rose Fitzroy dormiu por décadas, imersa num sono induzido. Mais de 60 anos esquecida num porão deram a ela o status de desaparecida enquanto os anos sombrios pairavam sobre o mundo. Despertada como por encanto por um belo jovem e descobrindo-se herdeira de uma corporação multimilionária, Rose vai entendendo pouco a pouco tudo o que aconteceu em sua ausência. Ela descobre que seus pais estão mortos, e o que o rapaz por quem ela era apaixonada agora não passa de uma mera lembrança. A Terra se tornou um lugar estranho e perigoso, especialmente para ela, que, como todos imaginam, irá de assumir seu lugar à frente dos negócios. Dentre tantas mudanças, fica difícil para Rose reconhecer quem é amigo e quem é seu verdadeiro inimigo."

Desde o título até a capa, esse livro nos passa a imagem de uma estória meiga, leve e que remete bastante à fábula "Bela Adormecida", mas não se deixem levar pela primeira impressão: na verdade, ele passa bem longe disso, com um enredo tenso, e 99% diferente do clássico da Bela.

A protagonista Rose é acordada com um beijo dado por um lindo menino, que a tira de um sono de 60 anos induzido por um processo chamado estase, onde, basicamente, ela entra num tubo que a envolve em gases que a fazem adormecer. Meio atordoada pelo despertar repentino, ela percebe que está num mundo totalmente diferente daquele em que entrou em estase: seus pais morreram, seu namorado também, e todos que ela conhecia não estão mais ali. Os adolescentes têm novas gírias e a tecnologia evoluiu ainda mais. 

Rose é a única herdeira do império criado por seus pais, a UniCorp, uma empresa que atua praticamente em todos os ramos do mercado e, aparentemente, foi o pilar da salvação do mundo durante os tempos sombrios, onde milhares de pessoas morreram com tuberculose ou envenenados pelos próprios alimentos. Quem cuida da corporação é um homem muito arrogante chamado Guillory, e que logo de cara mostra que não quer perder seu cargo na UniCorp, deixando Rose com uma má impressão sua. Na verdade, Rose nunca quis ser empresária, nem tampouco responsável por tantas empresas e pessoas, ela só queria desenhar, pintar seus quadros e desenvolver sua arte.

A jovem também precisa voltar a frequentar a escola e é lá que ela conhece um dos personagens mais interessantes dessa estória: Otto, um ser totalmente diferente dos demais, que foi criado em laboratório através de experiências com DNA. Ele tem a pele azul, não fala, mas pode se comunicar através do toque, tendo capacidade para ler o que está na cabeça das pessoas e até mostrar a elas o que ele mesmo está pensando, criando assim uma espécie de conversa. Mas ele se comunica quase que exclusivamente com sua namorada, Nabiki, e, quando toca Rose pela primeira vez, se assusta com os vazios em sua mente e diz que não quer mais tocá-la.

Mais tarde, Rose descobre uma nova forma de falar com Otto, através do supertablet, usando uma espécie de bate papo, onde ele pode escrever ao invés de falar. A partir daí, eles se tornam bons amigos, quase confidentes, e Otto ajuda bastante Rose a entender alguns de seus conflitos particulares. Ela, por outro lado, passa a entender melhor as atitudes do menino e a respeitar suas escolhas.

A parte romântica da estória é quase um triângulo amoroso: Rose teve um único namorado a vida toda, Xavier, que ela vira crescer entre seus períodos em estase e, quando ficaram com a mesma idade, se apaixonaram. Mas, por imposição de seus pais, Rose teve que terminar o namoro, pouco antes de entrar na estase em que ficaria por 60 anos. Agora, depois de tanto tempo, e acreditando que Xavier também morrera, Rose começa a se interessar por Bren, o menino que a despertou com um beijo e a tirou do subsolo onde estava há tanto tempo perdida. Ele está sempre com ela no colégio e seu sentimento por Bren só cresce a cada dia, ainda que ela pense bastante em Xavier e algumas vezes deseja que ele ainda estivesse vivo para ficar com ela.

Vale ressaltar que Rose tem muita dificuldade em expor suas vontades, desde a época em que morava com os pais, já que eles deixavam pouco espaço para que ela o fizesse, e sempre determinavam tudo o que ela tinha que fazer, desde as roupas que vestia até as mudanças constantes de escola que ela enfrentava. Seus pais costumavam colocá-la em estase sempre, de acordo com a necessidade do casal, quer fosse para uma viagem de negócios que duraria semanas ou meses, ou até sob o pretexto de que a menina estava agitada e precisava passar alguns dias dormindo para se acalmar. Nesse ritmo, Rose passou vários anos de sua vida desacordada, e isso fica claro durante a narrativa quando ela fala sobre o crescimento de Xavier: da primeira vez que o viu, ele era apenas um bebê, e a cada vez que ela saía da estase ele estava maior e mais velho, até que ambos ficaram com 16 anos.

Rose cresceu sendo submissa a todas as vontades dos pais, por isso, encarava a estase como algo normal, e até gostava de dormir algumas vezes, pois sentia que realmente precisava daquilo e aproveitava seus seus sonhos estases, que, aparentemente, tinham imagens de lugares lindos, para pintar seus quadros quando acordava.

Agora que não tinha mais os pais para protegê-la e colocá-la para dormir a todo momento, ela precisava voltar a levar uma vida normal como qualquer um da sua idade, mas sendo quem era, claro que isso seria complicado. Além de sua dificuldade em fazer novos amigos, ela logo descobriu que estava sendo ameaçada por alguém que queria sua morte. Desacostumada a expor seus problemas, ela tenta se defender sozinha de um plastine, uma criatura robótica que a está seguindo, mas acaba tendo que buscar a ajuda de Guillory e de seus colegas de escola, Otto e Bren.

Entre tentar se manter viva e conquistar o amor de Bren, Rose vai se sentindo cada vez mais sozinha nesse novo mundo, e tem que, aos poucos, se adaptar à realidade atual, conhecer seus verdadeiros desejos e necessidades e aceitar as perdas que sofreu. Mas, como que para tornar tudo isso ainda mais complicado, ela descobre que as pessoas que ela pensava conhecer, na verdade não são quem realmente diziam ser, e, de uma hora para outra, tudo aquilo que ela tentava enterrar em suas memórias, volta para atormentá-la. Com tanta confusão, Rose será capaz de descobrir quem são as pessoas boas e as ruins?

Durante a leitura, achei muito interessante a forma como a tecnologia super avançada foi incluída no enredo, sem parecer forçada ou inventiva demais, e também gostei de como a autora amarrou todas as pontas, sem deixar de dar nenhuma resposta para as perguntas feitas durante a narrativa. A única coisa que achei desnecessária foi o aparecimento de 2 irmãos da protagonista, até porque, isso meio que ficou no ar, sem mostrar qual a sua relevância para a estória. No mais, tudo se encaixou direitinho, e tudo fez sentido, a autora não criou uma situação absurda para finalizar o livro, e tudo o que aconteceu é totalmente plausível dentro de um universo pós apocalíptico.

A única ligação entre "Adormecida" e "Bela Adormecida" é mesmo o sono. As duas personagens diferem totalmente e uma estória não tem nada a ver com a outra, o que pode ser muito agradável para o leitor que espera ver mais uma versão de um clássico da literatura, e se surpreende com uma estória futurista, com enredo bem desenvolvido, linguagem simples e direta e personagens que poderiam muito bem ser nossos colegas de escola. Recomendado a todos.

Joana Masen
@joana_masen

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