Estamos todos perdidos. Isso é fato. Ontem, participamos da manifestação que aconteceu aqui em Campinas pela melhoria do
transporte público, já que um dia antes o aumento da tarifa havia sido revogado
pelo prefeito da cidade, Jonas Donizette. Aqui em Campinas, a tarifa aumentou no início do ano, e ganhamos o título de tarifa mais cara do país, R$3,30. Provavelmente uma manobra para diminuir o impacto do protesto. Mas vamos ao que interessa, ao protesto e nossa experiência dos últimos dias. Vale lembrar que tudo que colocamos no texto é nossa opinião, de acordo com a nossa experiência durante a manifestação e que apoiamos o movimento. Porém acreditamos que existem algumas coisas que ainda precisam ser questionadas.
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Foto por Virgínia Alves, nossa querida amiga. |
Pra ficar mais fácil de acompanhar, vamos dividir o texto em partes:
1. Ir ou não ao protesto?
De início entramos em uma dúvida enorme sobre se deveríamos ir a manifestação ou ficar em casa. Quando o evento foi criado, estávamos acompanhando a repressão policial que estava acontecendo em São Paulo. A chance de acontecer a mesma coisa, era grande. Apesar da grande vontade de participar, havia a dúvida. Até que, o jogo virou, o Brasil estava nas ruas e depois do que vimos na segunda-feira em todo o país, como não protestar? Segundo que usamos o transporte público todos os dias, sempre que penso no quanto gasto com transporte (no nosso é ônibus, não táxi) me dá vontade de ficar em casa só pra não gastar. Terceiro que, não ir seria uma grande hipocrisia da nossa parte, sofremos com um transporte público, ruim, precário e caro, muito caro. Se defendemos que todos devem ir às ruas protestar, como ficar em casa em um momento desses?
2. O que queremos?
Decisão tomada, chegou o momento de decidir nossos cartazes, nossas causas. Com tarifa reduzida, qual seria nossos discursos? O que queremos para nossa cidade? O foco do protesto no evento, estava claro. Mas parece que não estava entre os participantes. As enquetes diziam as mais variadas coisas, desde que roupas usarmos ou sobre o que reivindicar (apesar de estar claro no evento que iríamos fazer lá).
3. Concentração
Com cartazes prontos, chegou a hora de ir para a rua! A concentração para nós, foi o melhor momento. A democracia estava ali. Tínhamos famílias inteiras (inclusive, uma boa parte da nossa família foi), idosos, crianças, cachorros, estudantes de todas as idades e gente muito disposta a mudar o país. Nunca vou esquecer a cena de um senhor de idade chorando, emocionado. De certo, nunca tinha visto nossa cidade tão linda. Ninguém viu. Era de arrepiar. A vontade era de gritar de alegria, só de ver a cena. Todos se preparando, com seus cartazes, encontrando amigos, prontos para bravar o seu país.
4. Hora da passeata.
A passeata começou. Não fomos logo de início, tínhamos que esperar todos os nossos conhecidos e uma parte da família. Seguramos nossos cartazes, participando, ainda que de fora. Assistindo as pessoas dos prédios apoiarem a causa (há quem ache que é melhor ir para as ruas, mas sinceramente? É melhor ir para as ruas quem sabe o que está fazendo lá), com suas bandeiras brancas. Até que, coisas estranhas começaram a acontecer. Mal escutamos pessoas reivindicando à respeito da tarifa, ou das melhorias do nosso transporte. Acredita que aqui não temos tarifa mais barata para universitários? É como se não fossemos estudantes. Cada grupo pedia uma coisa. Uns pediam impeachment da Dilma (o que é muito estranho, já que a culpa de tudo não é de um governante), outros contra a PEC 37 (até a gente pediu isso) e tantos outras coisas que não diziam respeito ao movimento. A manifestação era de indignação. Todos queriam mudanças, e não sabiam por onde começar. Foi lindo ver tanta gente ir para as ruas (há reportagens que dizem que haviam 70 mil pessoas, não sabemos). Mas foi assustar saber que alguns encaravam como desfile de carnaval, e outros estavam perdidos, precisavam de liderança. Outra coisa que nos chamou a atenção, foi a quantidade de pessoas mascaradas e com o rosto coberto observando tudo acontecer, alguns no meio da galera, outros parados pelas calçadas.
5. Liderança
Pra ser sincera, até agora não sabemos quem foram os líderes dessa manifestação. Só sei que haviam pessoas do Movimento Passe Livre porque uma amiga que estava trabalhando pra um jornal da cidade os entrevistou. Se não fosse por isso, poderíamos jurar que este não era um movimento do MPL (que já participamos diversas vezes). Não havia carro de som para guiar a multidão. Alguns diziam que era para irmos para uma avenida, outros para outra e no final seguíamos o fluxo. Chegamos até a prefeitura, que depois fiquei sabendo que o destino correto, seria o Centro de Convivência da cidade.
6. Prefeitura
Pra quem não é de Campinas, o centro é feito por ruas estreitas. Na frente da Prefeitura da cidade, há uma avenida que é dividida em duas faixas, separadas por uma grade. Claramente, não há espaço para toda a multidão ficar, e alguns se refugiaram em várias ruas ao redor da prefeitura. A sensação era de estávamos encurralados. Com toda a multidão reunida, o que deveríamos fazer ali? Ficamos parados por um tempo, alguns pequenos grupos fazendo reivindicações diferentes e assim vai. Até que começamos a assistir o show do pequeno grupo, que insiste em vandalizar.
7. Manifestação pacífica, mas vândalos?
Assistíamos de camarote os vândalos tacarem pedras, fogos de artifício e rojões dentro da prefeitura: queriam invadir. Muitas pessoas gritavam: "Sem violência", "Sem vandalismo". Queríamos manter a razão de estarmos ali. Depois tentamos sentar no chão, para que pudessem ver quem eram as pessoas que estavam fazendo aquilo. Tudo sem sucesso. O festival de gás lacrimogênio começou.
8. Gás e Vinagre até enjoar
A nossa sorte foi o Vinagre. Ainda bem que um dos Quintans que estavam com a gente foi esperto e levou. De fato resolve. Usávamos e doávamos de monte. Todos ali estavam sendo desmerecidos por uma minoria que não representava ninguém. E vale dizer, minoria sim, mas em grande número. E mesmo assim, não desistiam. O festival continuava.
9. Cadê a PM?
Depois da repressão que aconteceu em São Paulo, a PM passou a agir de forma estranha. De tanto mandarem eles tomar no cú, eles resolveram que deveríamos fazer o mesmo. Durante todo o protesto, não vi nenhum um policiamento (inclusive, muita gente foi roubada). PMs são funcionários, que deveriam trabalhar para nos proteger e não deveriam ser objeto de repressão. E não é tão difícil compreender. Por isso, se vou a um evento que reúne a quantidade de pessoas que estava para ser reunido neste, quero me sentir protegida, e não com medo de policial e bandido, (bandido sim, manifestante não vai para depredar ou roubar outros manifestantes). Mas não se preocupem, o choque foi lá dar jeito.
10. Bombardeio?
De tanto ficar encucada com a história da PM, o choque entrou em ação. Depois de nossa prefeitura destruída, postes arrancados e até fogueira, começou o verdadeiro bombardeio. Era lançado gás lacrimogênio um atrás do outro. Todo mundo correndo, em pânico. Aqueles que não sabiam o que reivindicar, obviamente, também não sabia o que fazer. Daqui pra frente foi cada um por si.
11. O gigante não acordou
O que antes era desconfiança, depois do protesto virou certeza: o gigante não acordou. Demos um passo importantíssimo indo para as ruas. Assumindo que existe algo tremendamente podre no reino da Dinamarca e fomos ouvidos. Aqui e lá fora. Mas falta muito pra esse tal gigante acordar. Acredite ou não, enquanto estava dormindo tinha muita gente lutando, reivindicando e fazendo protesto sim! Você só não viu, não deu bola, deixou passar. Inclusive muitos partidos políticos de esquerda em busca de causas pela minoria, que tanto insistem em mandar pastar. É como se essa gente nova, que tá aprendendo a protestar, tomasse o lugar de alguém que já está há muito tempo fazendo isso. Só vamos acreditar que esse gigante acordou quando vermos uma manifestação tão grande e tão linda como estas que estão acontecendo, quando elas forem pelas minorias. Pelo prol do feminismo, pelo aborto, pelas causas LGBT e por pautas esquecidas. Causas que há tempos muita gente luta e que você não notou.
12. #vapracasa
Já é hora de sair das ruas. O MPL anunciou, não irá mais convocar manifestações por enquanto. E fazem bem. Conseguiram sua principal reivindicação, e agora está cheio de oportunistas pegando carona. Agora, dentro das manifestações está cheio de divergências. É hora de ir pra casa, escrever propostas, escolher suas lutas e apresentar aos representantes. Já é tempo de cancelarmos as manifestações genéricas e de discursos prontos. Vamos nos organizar, Brasil! Pra esse gigante, enfim, acordar.
Sandy e Helen Quintans
@prontousei