quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Joana leu: Machu Picchu, de Tony Bellotto

"Machu Picchu"
Tony Bellotto
editora Cia das Letras
120 páginas
"O Rio de Janeiro vive o maior congestionamento de sua história. Em meio às filas intermináveis de carros, Zé Roberto e Chica, cada qual num canto da cidade, tentam voltar para casa, onde vão comemorar seus dezoito anos de casamento. É a oportunidade perfeita para ambos repassarem os últimos meses de suas vidas. Para Zé Roberto, isso significa pensar em W19, a garota que conheceu no Facebook e com quem vem praticando sexo virtual há algum tempo. Sem nunca tê-la encontrado pessoalmente, ele nutre uma saudável obsessão pela menina, com quem agora quer se encontrar. Chica não é muito afeita às redes sociais, de modo que seu caso com Helinho, colega de trabalho, se dá entre lençóis e não por uma câmera de computador. Mas ela está confortável: em casa, o marido que ama, a família e a vida que escolheu; no escritório, o amante divertido e bom de cama, que pode ou não estar apaixonado por ela. Junte a isso um filho maconheiro, uma ex-mulher psicótica, uma filha ausente e meio perdida e uma afilhada misteriosa. Essas são as peças de que Tony Bellotto precisa para armar uma comédia de costumes incomum e perfeita para os nossos tempos. Seguindo a trilha de seus últimos romances, Bellotto cria um divertido painel da nova família brasileira, desconjuntada e esquizofrênica como costumam ser as melhores famílias. Com seu tabuleiro montado, o autor transforma o jantar de aniversário de casamento num acerto de contas cômico e frenético, um grande teatro do absurdo, tão surpreendente quanto próximo de todos nós."

O romance entre Zé Roberto e Chica começou de forma inesperada e foi perfeito. O casamento também era bom: tinham um filho e acabaram ficando também com a primeira filha de Zé Roberto, uma gravidez acidental de sua ex-namorada modelo totalmente maluca. Essa mesma mulher, anos mais tarde, teve outra filha com um homem misterioso, que vivia no mar, que também foi morar com a família.

Chica é bióloga, tem um ótimo emprego e uma família feliz. Até que encontra Helinho, colega de trabalho, com quem se envolve e acaba tendo um caso. Ela às vezes se sente mal com isso, mas não pensa em terminar o casamento de tanto tempo para assumir seu amante. A situação está boa assim: ela e o marido têm um bom relacionamento, a vida sexual não é ruim, e ela ainda realiza suas fantasias com Helinho, por quem pensa estar apaixonada. Chica acredita que essa paixão melhora se estado de espírito.
Já Zé Roberto é aquele cara que curtia bastante a vida de solteiro e sonhava em ser fotógrafo, mas se casou e acabou abrindo mão do sonho para se tornar advogado, como queria seu pai. Essa decisão nem sempre lhe causava arrependimentos, e ele também estava feliz com o casamento e a família meio torta que construiu com a esposa. Então, num dia como outro qualquer ele recebe um email de W19, uma jovem linda e que parece se interessar por ele, além de, coincidentemente, possuir os mesmos gostos musicais que Zé. A partir daí, ele, que nunca foi muito afeito a tecnologias, cria uma conta no Skype para conversar com a menina, e começam a praticar sexo virtual: ela se exibe em frente a câmera enquanto ele se masturba escondido em seu escritório.

No dia em que o casal completaria 18 anos de casados, cada um volta para casa em seu próprio carro, a fim de chegar a tempo para o jantar de comemoração, mas pegam o pior congestionamento da história da cidade do Rio e ficam parados no meio do caminho. Essa é hora perfeita para começarem a rever seu casamento e repensar se o que estão fazendo é certo ou errado.
Ambos os personagens passam por seus  momentos de reflexão, tentando entender o por quê de seus atos, e procurando uma forma de justificar suas traições, sem que tenham que abandoná-las e sem que elas interfiram no bom andamento do casamento. Essas são as melhores partes do livro, em que o autor consegue criar um retrato das famílias atuais e fazer algumas críticas ao modelo social em que vivemos, onde, na maioria das vezes, cada um pensa apenas em si mesmo e em sua satisfação pessoal, mas tenta manter a imagem de que tem uma família perfeita, uma vida impecável e que nunca comete erros.
Para engrossar ainda mais o caldo da estória, temos os filhos, cada qual com sua peculiaridade: Claudinha, a mais velha, filha de Zé Roberto com a ex-modelo, está namorando um pagodeiro e anda meio distante da família; Rodrigo, único filho do casal, fuma maconha e acredita que ninguém sabe, até que seu pai o flagra no ato, mas, ao invés de brigar com o menino, se junta à ele e começam a fumar juntos; e a estranha Anita, filha da super modelo, que diz ter uma conexão quase espiritual com o pai misterioso, e vive entrando em contato com ele mentalmente, descrevendo com detalhes os lugares por onde ele está velejando.

O clímax da narrativa se dá quando o casal consegue chegar em casa para o esperado jantar de aniversário, e nada dá certo: a visita inesperada da mãe de Anita acaba com os planos dos protagonistas, e ela diz estar ajudando Zé Roberto e Chica a colocarem tudo em pratos limpos para reestruturar o casamento, apelando para métodos pouco ortodoxos.

Entre drama e comédia, o autor consegue encaixar todas as peças, levando os personagens a encarar seus medos, seus defeitos e a tentar encontrar soluções para seus problemas, ainda que tenham que pagar um alto preço por isso. O final é divertido e só na última página o leitor descobre o que a cidade de Machu Picchu tem a ver com o enredo do livro (além de estar estampada na capa).

Mais um ótimo romance escrito por Tony Belloto, com linguagem simples, leitura rápida e parágrafos que intercalam os pensamentos dos personagens, dando ritmo a estória e prendendo a atenção do leitor, que mais uma vez não consegue para antes de chegar ao final. O livro é curtinho e sua mensagem é direta: estamos nos sentindo sozinhos em meio a uma multidão e precisamos voltar a viver em sociedade.

Joana Masen
@joana_masen

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