quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Joana leu: O espadachim de carvão, de Affonso Solano

"O espadachim de carvão"
Affonso Solano
editora Fantasy - Casa da palavra
256 páginas
"Filho de um dos quatro deuses de Kurgala, Adapak vive com o pai em sua ilha sagrada, afastada e adorada pelas diferentes espécies do mundo. Lá, o jovem de pele absolutamente negra e olhos brancos cresceu com todo o conhecimento divino a seu dispor, mas consciente de que nunca poderia deixar sua morada. Ao completar dezenove anos, no entanto, isso muda. Uma situação inesperada o obriga a fugir e lutar por sua própria vida, se expondo aos olhos do mundo pela primeira vez. Todos os seus conhecimentos teóricos e sua excelente técnica de combate têm que ser explorados durante essa fuga e na busca pela identidade daqueles que desejam acabar com os deuses de Kurgala."

O autor Affonso Solano cria em seu livro de estreia um universo fantástico totalmente novo, com algumas peculiaridades interessantes, como por exemplo, a medida de tempo em ciclos, e não em anos, como estamos habituados. Esse mundo novo exige que o leitor se adapte a ele enquanto desenvolve a leitura, ou que ele já seja um adepto da literatura fantástica, o que não é o meu caso, pois ainda estou iniciando nesse gênero literário. Mesmo assim, achei o livro muito bom. No início minha leitura ficou um pouco lenta, exatamente por estar em processo de adaptação e conhecimento do cenário onde a estória se passa, e depois de superada essa barreira pessoal, a leitura fluiu normalmente e se tornou muito interessante.

Adapak foi criado durante anos numa caverna, sem contato com o mundo exterior, tendo apenas seu pai como companhia. Ele tem a pele totalmente negra, diferentemente das demais criaturas de Kurgala, e isso causa estranheza em algumas pessoas quando ele deixa a caverna, mas há uma razão para que ele seja assim, que é explicada no desfecho da estória. Ele também é um exímio lutador, treinado a vida toda para agir de acordo com um tipo de arte regida pelos Círculos, que vão direcionando o espadachim em suas decisões, e fazendo com que ele use suas habilidades de lutador apenas para se defender, e não para atacar.

Apesar de ser muito inteligente e conhecer quase todos os assuntos através de seus livros, que ele leu a exaustão antes de sair de sua caverna, Adapak é muito inocente, não sabe como agir com relação a outras pessoas e não entende algumas ironias ou malicias, tanto que, logo no início de sua fuga, ele é facilmente ludibriado por um aproveitador, e acaba preso sem motivo. Sua ingenuidade diante de situações comuns da vida é tão latente que em alguns momentos ele chega a parecer uma criança indefesa, mesmo já tendo 19 ciclos de idade. Essa é uma característica importante do personagem e é interessante ver como ele vai crescendo nesse sentido, deixando de ser tão puro, aprendendo o quanto o mundo pode ser cruel e descobrindo como ele deve reagir a isso sem ferir seus princípios.

Há grandes perdas pelo caminho de Adapak, mas ao mesmo em tempo que isso o entristece e o deixa confuso quanto ao que realmente está acontecendo, também o fortalece e o ajuda a continuar buscando o real motivo de estar sendo perseguido. Nesse processo de autoconhecimento, até a perda de seu único amor ajuda na formação de sua personalidade, enquanto ele reflete sobre os motivos de ter sido abandonado pela mulher que amava e se o relacionamento dos dois foi mesmo tão intenso e verdadeiro como ele imaginava.

As cenas de luta são muito detalhadas e isso as deixa bem empolgantes: é possível imaginar claramente o cenário das disputas através das descrições do autor e até os movimentos de Adapak, precisos e eficientes, enquanto ele usa as espadas para se defender daqueles que o atacam.

O ápice da estória é quando Adapak descobre quem o está perseguindo e qual o motivo para isso. A essa altura, o protagonista já fez alguns poucos amigos, entre eles a capitã do barco em que ele atravessou o mar, chamada Sirara, que o ajuda a encontrar respostas para algumas de suas dúvidas mais profundas. Então, quando seu algoz cerca Adapak, ele pega Sirara como refém para persuadi-lo a se entregar. Confesso que fiquei boquiaberta com o que aconteceu aqui, mas não darei nenhum spoiler.

O final da estória é feliz, e quando o livro acabou eu me sentia parte da vida de Adapak, queria saber o que iria acontecer depois e como ele se comportaria dali pra frente. Até para aqueles que, como eu, não são leitores típicos de fantasia, o livro vale muito a pena, É uma estória curtinha, que acaba nela mesmo, sem deixar enigmas para serem desvendados num segundo volume, com uma narrativa contemporânea e de fácil compreensão.

Destaco o estilo narrativo adotado por Solano, com duas linhas temporais distintas e que se intercalam, capítulo a capítulo, interrompendo o fluxo de leitura em momentos estratégicos e fazendo com que o leitor quebre aquela onda de adrenalina e tenha que voltar a um momento anterior, a outro lugar, com outros personagens e situações diferentes. Isso, além de um exercício para quem lê, mostra grande habilidade do autor, pois não é fácil trabalhar com esse tipo de escrita e conseguir manter a estória interessante para o leitor, que pode acabar esquecendo o que se passou anteriormente, ou até separar a estória em duas partes distintas, não fazendo o elo de ligação natural entre uma e outra.

Indico o livro para todos, e acho que seria interessante que mais jovens o lessem, por possuir uma linguagem bem acessível e dar uma boa base para a formação de leitores, servindo como porta de entrada para o universo fantástico.

Joana Masen
@joana_masen

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