quinta-feira, 30 de maio de 2013

Joana leu: Leite derramado, de Chico Buarque

Leite derramado
Chico Buarque
editora Cia. das Letras
200 páginas
"Um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senado da Primeira República, até o tataraneto, garotão do Rio de Janeiro atual. A fala desarticulada do ancião cria dúvidas e suspenses que prendem o leitor. O discurso do personagem parece espontâneo, mas o escritor domina com mão firme as associações livres, as falsidades e os não ditos, de modo que o leitor pode ler nas entrelinhas, partilhando a ironia do autor, verdades que o personagem não consegue enfrentar. Tudo, neste texto, é conciso e preciso: como um quebra-cabeças bem concebido, nenhum elemento é supérfluo. É espantoso como tantos personagens diferentes ganham vida neste breve romance. O livro é obra de um escritor em plena posse de seu talento e de sua linguagem."

Como fã de Chico Buarque crio sempre as melhores expectativas em torno de seu trabalho, e sempre quiser ler os livros escritos por ele. "Leite derramado" foi o primeiro que li, e no início parecia que não ia ser tudo aquilo que eu esperava. Mas ao longo da leitura, fui me envolvendo com as lembranças narradas pelo personagem, e me encantando com a técnica usada por Chico para contar esta estória: ele escreve os capítulos fora da ordem cronológica em que os fatos ocorreram, dando um charme especial ao texto.

O personagem principal é um idoso que está no hospital, e começa a contar a história de sua vida para a filha, e a contação se estende às enfermeiras e a qualquer outra pessoa que entrar no quarto. O foco de sua narrativa é o amor que sentia por sua esposa, Matilde, e ele vai e volta a esse assunto por diversas vezes, contando aos poucos como foi sua relação com ela, e como ele sofreu ao ser abandonado pela mulher com a filha pequena. 

Enquanto o autor vai contando tudo o que o personagem viveu, desde que ele era de uma família respeitada na época Primeira República, até o momento em que entrou em decadência e foi perdendo tudo o que tinha, inclusive a casa em que morou com Matilde, ele também vai mesclando fatos históricos do Brasil, algumas vezes incluídos na estória para dar o tom dramático ou a ironia ideal que ela precisa.

O homem hospitalizado conta em detalhes muitas passagens de sua vida, e, em alguns momentos, não fica muito claro para o leitor se ele realmente viveu aquilo ou se está apenas divagando enquanto espera a morte. Isso é reflexo do talento de Chico para criar estórias.

A noção de tempo é dada pelos costumes de cada personagem, de onde é possível perceber a que época o idoso está se referindo: ele fala sobre os vestido que Matilde usava, sobre o piano que sua mãe sempre tocava, e vai evoluindo até mencionar os costumes adotados hoje em dia pelas pessoas, como quando fala sobre o tataraneto que namora uma moça cheia de tatuagens e piercings, o que para ele é inconcebível. 

Com tanta riqueza de detalhes e fatos históricos inseridos na estória de forma sutil, o livro poderia ficar cansativo, mas não, ele é muito dinâmico e proporciona uma leitura muito agradável. A cada página a curiosidade pelo desfecho da estória só aumenta, e o leitor vive momentos de alegria e tristeza junto com o personagem. 

Chico estrutura a obra com perfeição, misturando os fatos na mudança de um capítulo para outro, e depois retomando aquilo que tinha deixado um pouco para trás, e fica claro que ele não é competente apenas na composição de suas belas canções, mas também, é um ótimo contador de estórias.

Joana Masen
@joana_masen

3 comentários:

  1. Por mais que você tenha ressaltado muitos pontos positivos não consegui sentir vontade de ler a obra.

    Beijos
    Pepper Lipstick

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    Respostas
    1. Que pena Bia! Bom, quem sabe um dia vc se interesse...
      Bjos!

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  2. Chico Buarque é tão maravilhoso que se escrevesse bula de remédio eu leria.

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