quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Joana leu: Só por hoje e para sempre, Renato Russo

"Entre abril e maio de 1993, Renato Russo passou vinte e nove dias internado numa clínica de reabilitação para dependentes químicos no Rio de Janeiro. Durante esse período, o músico seguiu com total dedicação os Doze Passos, programa criado pelos fundadores dos Alcoólicos Anônimos, que incluía um diário e outros exercícios de escrita. É este material inédito que vem à tona depois de mais de vinte anos nesse livro, graças ao desejo de Renato de ter sua obra publicada postumamente. Entremeando as memórias do líder da Legião Urbana com passagens de autoanálise e um olhar esperançoso para o futuro, este relato oferece a seus fãs, além de valioso documento histórico, um contato íntimo com o artista e um exemplo decisivo de superação."


Quando soube da existência desse livro, fiquei muito curiosa para lê-lo, porém, com uma certa desconfiança de que seria apenas um relato triste e deprimente sobre os sofrimentos de Renato Russo, algo que quisesse apenas explorar o sucesso do cantor para vender livros. Graças ao céus, eu estava errada.

O livro é uma compilação dos escritos que Renato reuniu durante os vinte e nove dias que esteve internado na clínica de reabilitação Vila Serena, como parte de seu tratamento. Além das reflexões acerca de sua própria vida, ele também escrevia sobre a esperança que tinha em sua recuperação e os planos para seu futuro, como a vontade que tinha de se tornar cineasta no final da vida, quando estivesse mais velho. Todos os seus defeitos e qualidades estão expostos aqui, e, como sabemos, a convivência com ele deveria ser extremamente difícil: ele se considerava muito especial, acima de qualquer outra pessoa, como o gênio que ele realmente era. Pedante, egocêntrico e esnobe, porém, um dos maiores artistas de todos os tempos.

Os Doze Passos que deviam ser seguidos durante o tratamento, incluíam manter um diário - de onde saiu a maioria do material para o livro - e o preenchimento de algumas fichas de atividades, onde Renato registrava tanto suas opiniões sobre os encontros com outros internos quanto as descobertas que fazia sobre si mesmo. Essas descobertas seriam o alicerce para sua recuperação, e incluíam reconhecer seus pontos fracos e defeitos, trabalhá-los e tentar melhorá-los de forma que essa melhora o fortificasse e lhe desse confiança para enfrentar o dia a dia sem o subterfúgio das drogas e da bebida.

Aqui é possível conhecer um pouco do lado genial de Renato, e toda a dor que isso lhe causava. Sua dependência química também o fazia sofrer, e ele se arrastava cada vez mais para o fundo do poço, até que decidiu mudar. A reabilitação iria ajudá-lo a lidar com seus sentimentos mais perturbadores e o fazer encarar a realidade: ele não era melhor que ninguém e tinha que encarar isso. Durante a leitura de suas anotações nas fichas de atividades, dá para perceber que ele, apesar de ser visto como um deus pelos fãs, era apenas humano, como qualquer um de nós.

É uma leitura essencial para os fãs da Legião e de Renato: desperta sentimentos intensos no leitor, e traz de volta aquela saudade do cantor, que sentimos desde a sua morte em 1996. Saber que tudo aquilo foi escrito por ele, nos coloca um pouquinho mais perto da pessoa por trás do ídolo. Além disso, o livro nos obriga a repensar nossa própria vida, nossa relação com aqueles que amamos, e nossos planos para o futuro, lembrando que não devemos ter medo de viver.

Em cada página do diário, Renato Russo está de coração aberto, exposto, sensível. E é latente a evolução psicológica do paciente durante o tratamento: de início ele está arredio e desconfiado, sempre mal humorado e ainda considerando as outras pessoas como idiotas e irritantes, e mais para o final, em suas últimas anotações, é visível que ele aceita mais o outro, compreende sua existência num todo e sua importância no grupo. Como ninguém é perfeito, ele tem consciência de que não conseguirá alcançar êxito em todos os pontos exigidos, mas também sabe que tudo o que conquistou durante a internação é o início da mudança definitiva que ele buscava (e precisava) para sua vida.

Cada passo dado por Renato na reabilitação é emocionante, e se você é fã da banda, irá sentir ainda mais. Ainda que não seja fã, certamente você conhece alguém que busca recuperação de dependência química, e sabe o quanto essa situação é dolorosa, não só para o dependente, mas para todos em sua volta. Leia o livro como um incentivo para refletir sobre suas atitudes diárias, e até como uma dica para ajudar quem precisa.

O que eu mais gostei no livro foi conseguir entender melhor algumas letras das músicas do álbum O descobrimento do Brasil, lançado em 1993, como Vinte e nove e Só por hoje, que tiveram influência clara de sua passagem pela clínica. Perder Renato Russo há quase vinte foi um duro golpe, mas, como todo grande poeta, ele nos deixou uma obra imensa, que poderá ser reverenciada por um longo tempo. Leitura emocionante e edificante, super recomendada para todos.



Só por hoje e para sempre - diários do recomeço
Renato Russo
editora Companhia das Letras
168 páginas

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