quarta-feira, 8 de março de 2017

O que é ser mulher?

E chegou o dia oito de março. Nos últimos anos mais e mais pessoas começaram a entender o significado desse dia, ainda bem. Pra nós mulheres, que compreendemos o tamanho da nossa luta, é sempre um dia difícil, de reflexão e de passar raiva na internet com piadas totalmente fora da proposta. Desta vez, quisemos fazer uma coisa diferente dos outros anos aqui no blog e preferimos escrever sobre o que é ser mulher pra cada uma de nós. Na verdade, parece uma tarefa fácil, mas é a pergunta mais difícil de se responder do mundo.  


Helen


"Não se nasce mulher, torna-se mulher". 

Parece meio clichê que meu texto comece com a emblemática frase da Simone de Beauvoir, mas quando eu e a Sandy conversamos sobre fazer esse post, foi inevitável começar por aí.  
Vai parecer meio bobo, mas quando penso nessa afirmação, me lembro do Mogli e do Tarzan. Eles foram deixados sozinhos numa floresta, educados pelos animais que os adotaram e seu comportamento foi moldado de acordo com o ambiente ao seu redor.

Desde o nascimento, nosso sexo define de que maneira seremos socializadas na nossa família e sociedade. Ainda bebês temos nossas orelhas furadas e nossas roupas são cor-de-rosa. Enquanto crianças, nos presenteiam com bonecas, com panelinhas e fogãozinho, como se nos preparassem para o futuro. E durante nosso desenvolvimento, vamos absorvendo essas influências que nos dizem que tipo de comportamento é adequado para uma mulher. 

Quando tento responder a pergunta "o que é ser mulher?" percebo que a questão é bem mais profunda do que parece, porque ser mulher vai muito além de ser feminina. É mais que todos esses clichês ditos no dia de hoje.

Tive a sorte de crescer numa família que me deu a liberdade de ser quem eu quisesse. Minhas brincadeiras preferidas sempre foram as de menino. Ralei muito os joelhos correndo na rua de terra da casa da minha avó e já rasguei a saia andando de carrinho de rolimã, com meus primos. Sonhava em ser astronauta e arqueóloga e desde cedo soube que não queria ser mãe. Na adolescência me apaixonei pelo skate, numa época em que esse esporte era quase que exclusivamente coisa de homem. Ao mesmo tempo, sempre gostei de me arrumar, pintar as unhas, cuidar do cabelo e sonhar com o Indiana Jones. Tudo isso me faz ser a Helen.

O que me faz mulher é a impossibilidade de ser o contrário. É a certeza. É a luta diária contra os micromachismos, tão enraizados na nossa rotina. É entender o que, de fato, é meu e o que me é imposto. E o que eu desejo é que toda mulher tenha liberdade pra ser, independente do padrões, dos julgamentos. Que antes de agradar uma sociedade inteira, agrade a si mesma. Que seu corpo lhe pertença e que o medo que lhe acompanha, lhe fortaleça.

Sandy


Minha mãe me contou que quando estava grávida ela acreditou que eu fosse um menino, mas nunca houve uma vontade específica de qual seria o gênero daquela criança. Desde que viesse com saúde, certo? Eu sei que tive muita sorte na vida, pois na minha família nunca houve um tratamento diferente por ser menina. Meus pais nunca me disseram que eu deveria deixar de fazer algo por eu ser mulher e me sinto completamente privilegiada e grata por isso. 

Mas eu sei que logo nos primeiros contatos com o mundo externo esse pensamento não é tão comum quanto era na minha casa. Eu sempre escutava histórias das minhas amiguinhas da escola de coisas que só elas precisavam fazer em casa, diferente de seus irmãos, como se o trabalho doméstico não fosse uma questão de sobrevivência. E era bem estranho quando a gente fazia amizade com algum menino da sala e automaticamente nós virávamos um casal, mesmo quando nem sabíamos o que isso significava. Assim que a gente sai de casa o papel do que é ser mulher começa a ser muito bem definido, mesmo quando você não sente fazer parte daquilo.

Vire e mexe surgem perguntas nos grupos feministas sobre o que é ser mulher. Sempre dá aquela sensação esquisita quando não sabemos responder a uma pergunta na prova. Parece que a gente começa a cavucar o nosso cérebro até encontrar a resposta adequada, porque uma certa nunca vai existir. O curioso de tudo é que nós sabemos bem o que é ser uma mulher, porque é algo que faz parte de quem eu sou. Mas é muito difícil entender o que é uma imposição social do que realmente é ser. 

Muitas mulheres começariam respondendo essa pergunta falando sobre a vaidade e a beleza. Eu olho para as minhas unhas pintadas e penso se realmente gosto disso ou se foi algo que me foi ensinado e acabou fazendo parte de mim. Todos os dias pela manhã quando vou me arrumar, começo os rituais de arrumar cabelo e fazer uma maquiagem meia boca, tentando entender se aquilo é o que me faz ser mulher. Eu sei que não. 

Outras mulheres prefeririam responder essa questão falando das opressões que sofremos todos os dias. Do medo constante de estar sozinha, de que algo aconteça enquanto caminhamos pelas ruas, de sair de casa e nunca mais voltar. Daquele estado de alerta que nunca termina enquanto conversa com outras pessoas, das perguntas intermináveis que buscam te inferiorizar ou o receito de ser silenciada, de não ser ouvida. Mas eu também sei que não sou uma opressão, eu a sofro, apesar de ser algo que faça parte de quem eu sou. Sentir medo é o sentimento que faz parte do que é ser mulher. 

Eu sei que eu posso fazer qualquer coisa eu queira. Eu sei que se minha vaidade fosse tirada de mim eu ainda me sentiria mulher. Eu sei que a opressão que eu sofro me deixou cada vez mais forte. E eu entendi que ser mulher é muito mais do qualquer coisa que compreenda, porque está totalmente dentro de mim, apesar de a sociedade acreditar que está fora e me rotular por isso.

Pronto,usei!
@prontousei

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