quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Joana leu: Mentirosos, de E. Lockhart

"Mentirosos"
E. Lockhart
271 páginas
editora Seguinte
"Cadence vem de uma família rica, chefiada por um patriarca que possui uma ilha particular no Cabo Cod, onde a família toda passa o verão. Cadence, seus primos Johnny e Mirren e o amigo Gat (os quatro 'Mentirosos') são inseparáveis desde os oito anos. Durante o verão de seus quinze anos, porém, Cadence sofre um misterioso acidente. Ela passa os próximos dois anos em um período conturbado, com amnésia, fortes dores de cabeça e muitos analgésicos, tentando juntar as lembranças sobre o que aconteceu."

Com um enredo envolvente e uma forma bem peculiar de escrever, esse livro prende o leitor, e, no meu caso, mostra que nem tudo o que parece é real. No momento em que comecei a leitura, fiquei encantada com a prosa da autora, bem parecida com ade Markus Zusak em "A menina que roubava livros", com aquele toque poético que deixa tudo mais agradável, Eis que, para minha surpresa, a estória tomou um rumo totalmente diferente do que eu imaginava, mas não deixou a desejar.

Logo de cara conhecemos Cadence, uma jovem muito sagaz, que mora com sua mãe (os pais se separaram), e vive uma vida normal para a sua idade durante o ano todo, exceto quando está em férias de verão e vai para a ilha particular de sua família. Lá, o avô construiu uma casa para cada uma de suas filhas, e nelas cada família se hospeda para suas férias, e compartilham juntas bons momentos na casa principal, que é do patriarca. Cadence fica sempre na companhia de seus dois primos e um enteado de sua tia, Gat, um rapaz bonito e muito inteligente, que ela define como "ambição e café forte". Pela descrição fica claro que Gat tem a pele escura, diferente dos Sinclair, que têm como característica cabelos muito loiros, pele e olhos claros.

A convivência que vem desde a infância de Cadence e Gat acaba se transformando numa grande paixão, mas que só floresce quando eles estão na ilha, já que, depois, cada um vai para a sua cidade, viver sua própria vida. Ainda assim, Cadence sabe que é apaixonada por Gat, e essa é uma das coisas que lhe ajuda a, mais tarde, desvendar um mistério.



No verão em que fizeram 15 anos, Cadence sofreu um terrível acidente quando nadava sozinha à noite; aparentemente, ela bateu a cabeça em algum lugar e teve um trauma que lhe deixou com fortíssimas dores de cabeça, que a impediram de viver normalmente. Ela saiu da escola, passou a viver reclusa em casa, e dependia de muitos remédios para suportar a dor.

Ao contrário do que aconteceu durante todos os verões de sua vida, no ano seguinte ao acidente a mãe não ia para a ilha nas férias, e arranjou uma viagem para Cadence fazer com pai. Ela não queria, mas acabou cedendo. Era muito difícil contrariar a mãe da menina, que levava ao pé da letra o lema da família Sinclair: "ninguém é carente, ninguém erra". Por isso, sempre cobrava de Cadence um comportamento digno de pertencer a essa família. Mas, com o acidente, a menina foi mudando suas opiniões e seus pontos de vista sobre muitas coisas, inclusive, sobre o relacionamento da família.

No verão dos dezessete anos, a mãe resolveu voltar à ilha, e tudo parecia muito estranho a Cadence; a casa principal fora totalmente reformada, os cachorros de seu avô tinham sumido e todo mundo a tratava de forma diferente, como se ela fosse explodir a qualquer momento, menos seus primos mais novos, que achavam que ela era viciada em remédios e ficavam o tempo lhe perguntando sobre isso.

Já os primos Johnny e Mirren junto com Gat, os Mentirosos, pareciam distantes e nunca falavam sobre o acidente. Cadence não se lembrava do que tinha acontecido naquela noite, tinha apenas alguns lampejos de memória e visões que não lhe diziam nada. Ela questionou os primos diversas vezes, para que a ajudassem a descobrir o que a tinha levado a nadar sozinha àquela hora da noite, mas eles eram sempre evasivos e diziam que ela se lembraria de tudo no seu próprio tempo.

E então começa a montagem de um quebra-cabeças complicado: de um lado, Cadence anotando cada pequena lembrança que ela tinha ao longo do verão, em meio a crises de dor de cabeça e conversas estranhas com Gat, e de outro, o resto da família que não queria que ela sofresse, mas também não a ajudava a forçar a memória.

Em grande parte do livro acompanhamos esse dilema de Cadence, e em certos momentos ficamos até com raiva de seus primos, por não responderem diretamente a suas perguntas, e até de Gat, que uma hora a tratava como namorado apaixonado, para no minuto seguinte dizer que tudo estava errado e eles deveriam recomeçar de onde tinham parado no verão dos quinze anos. É para dar dor de cabeça em qualquer um!

Cadence usa sua perspicácia e vai juntando os caquinhos, até lembrar da primeira coisa que fez no dia do acidente, e assim começa a relembrar cada passo, cada decisão, e como foi parar no meio da praia sem seus melhores amigos.

Algumas passagens são realmente emocionantes, mas não cheguei a chorar enquanto lia. Para um leitor como eu, que não fica procurando pistas nem ligando pontos enquanto lê, o final é muito inteligente. Gostei muito do desenvolvimento do enredo, da construção dos personagens e da forma como E. Lockhart descreve cada um deles, dando características abstratas tão peculiares que é possível formar o rosto de cada um na cabeça.

"Johnny é estalo, iniciativa e sarcasmo."
"MIrren é açucar, curiosidade e chuva." (página 18)

Gosto muito desse estilo de escrita, e quando estava na página 100 já tinha marcado uns 20 quotes! Alguns parágrafos são construídos de forma muito poética, e isso me agrada bastante:

"E eu vi Gat,
e vi aquela rosa na mão dele,
e, naquele momento, com a luz do sol entrando pela janela e brilhando sobre ele,
as maças debruçadas sobre a bancada da cozinha,
o cheiro de madeira e maresia no ar,
eu rotulei de amor." (página 27)

Além disso, as descrições dos sentimentos de Cadence são profundas, usando palavras que as mesmo tempo os amenizam e exageram, dão vida, transformam o sofrimento em algo muito palpável para o leitor:

"Minha cabeça e meus ombros derreteram primeiro, seguidos pelo quadril e pelos joelhos. Logo me transformei em uma poça , infiltrando-me nas lindas estampas do algodão. Ensopei a colcha que ela nunca terminou, enferrujei as peças de metal de sua máquina de costura. Eu era puro líquido naquele momento, durante uma ou duas horas." (página 42).

A surpresa, para mim, foi o enredo não focar na estória dos mentirosos em si, nem explicar o por quê desse apelido antes do acidente. Apesar dos protagonistas serem conhecidos como os mentirosos, o título me fez pensar que tudo seria sobre eles, e sobre como eles ganharam a fama, mas a trama se desenvolve a partir do acidente de Cadence, enquanto critica o relacionamento familiar, mostra as consequências do acidente e, por último, o que o causou. Quando li o título e vi a capa com a imagem desfocada daquelas quatro pessoas, tudo me levava a acreditar que se trataria de um grupo de adolescentes ricos e entediados, que aprontariam todas nas ilhas vizinhas e ficariam conhecidos por isso.

Esse detalhe não desabona o livro em nada, pelo contrário: ter uma grata surpresa no final valeu a leitura. A estória é muito bem escrita, a trama é bem construída e o desfecho pode tanto emocionar quanto surpreender. Super indicado a todos. 

Joana Masen
@joana_masen

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