quarta-feira, 28 de julho de 2010

Lou Reed e o lugar onde Caroline cometeu suicídio


 Assim que as autoridades tiraram os filhos dos braços de Caroline, nada mais sobrou no seu universo de pouca iluminação e esperança. "Este é o lugar onde ela estava deitada com a cabeça quando foi para a cama ontem à noite", narra Lou Reed, a voz embargada de emoção. "E este é o lugar onde nossos filhos foram concebidos... E este é o lugar onde ela cortou os pulsos". Encerrava-se, ali, uma das histórias mais angustiantes do rock.

   Em julho de 1973, Lou Reed tinha 31 anos de idade e há sete meses vivia sob a sombra de "Transformer", seu trabalho mais popular. Chamado de "poeta das ruas" por seus admiradores, Reed não parecia muito feliz com o sucesso de um disco marcado pela "alegria" - ainda que nas entrelinhas - e pela sua influência decisiva na propagação do glam rock pelo mundo. Como um bom poeta, Reed decidiu então mergulhar de alma em um universo de desespero, melancolia, tristeza e desesperança - uma temporada no inferno, como Rimbaud gostaria de chamar. Assim, em julho de 1973, foi lançado o disco "Berlin". Sobre a cinzenta Capital da Alemanha, somos apresentados ao casal Jim e Caroline rumo à implosão e ao esquecimento. Drogas, violência, sexo casual e suicídio perfumam o ambiente frio, calado. "O ciúme, a inveja. Existem certos assuntos que sempre se destacam, e o ciúmes é uma grande real. Mostre-me um homem que nunca foi ciumento", declarou Lou Reed ao jornal britânico "The Guardian" anos atrás.

A cantora Nico e Lou Reed no fim dos anos 60, época de Velvet Underground. 


   Inspirado na clássica história de "Otelo", escrita por William Shakespeare por volta de 1603, "Berlin" foi concebido como uma ópera rock e quebrou a cara de todos que esperavam por um novo "Transformer". Se as letras apresentavam uma profundidade de extremo impacto, as melodias não ficaram para trás: Reed costurou um caminho repleto de metais pesados e arranjos orquestrais de cortar o coração. O músico contribuiu apenas com o violão, e olhe lá. "The Kids" é tida como um dos momentos mais desesperadores da História do Rock, quando Caroline tem seus filhos retirados pelas autoridades, enquanto ouvimos crianças chorando e gritando para sua mãe. "Eu sou apenas um homem cansado", diz Jim, namorado de Caroline, "Sem palavras para dizer. Mas desde que ela perdeu a filha, são os olhos dela que se enchem de lágrimas. E eu estou muito mais feliz desta forma".

   Gravado em estúdios no oeste de Londres, na própria Berlim e na cidade de Nova York, a concepção de "Berlin" foi muito mais intensa do que parece. Na época de sua composição, Lou Reed estava rompendo com sua primeira esposa, a ex-garçonete Bettye Kronstadt. Ao mesmo tempo, Bob Ezrin, produtor do disco e fiel amigo de Reed, estava usando muitas drogas e todo o trabalho foi gerado ao lado de muitas viagens de LSD, heroína, cocaína e maconha. Ao fim da produção, Ezrin levou um ano inteiro para conseguir se recuperar da experiência. 

   Quando lançado, o disco chegou a ser chamado de "desastroso" pela revista norte-americana Rolling Stone. Sobre esse fato, Reed tem a resposta na ponta da língua: "Rolling Stone? Quem se importa? Eu não escrevo para eles". Mais uma vez, o poeta havia descido ao inferno e retornado ileso. Ele tinha apenas que juntar todos os cacos deixados pelo seu caminho pisado.

Por Adolfo Ifanger
www.viagemacores.com

3 comentários:

  1. O blog Viagem a cores é muito bom, principalmente pelo conteúdo, tanto que esse texto veio de lá .... mas o blog de vocês é show também, por causa do visual que eu acho que faz a diferença ... por isso votei em vocês no concurso.

    Um abraço do Net Esportes
    http://netesporte.blogspot.com

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  2. esse é o seu melhor texto, adolfo... continue assim!
    beijao.

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